Wednesday 29 April 2009

Intemporal ausência

(texto de O coxo)

Surpreendido ? nem por isso. Os dias passam por mim num aturdimento gasoso. O quarto branco feito invisível por esta luz asséptica que fere a minha pele todavia mais branca.

Tudo começou assim: a certa altura desconfiei desse pudor amniótico com que se referem ao destino. Logrei parar o tempo e o meu coração deixou de bater um instante. O meu coração deixou de bater. Ponto.

Estive assim durante tempo nenhum como se fosse uma eternidade. Entretanto passaram-se coisas, é certo. Especulou-se muito sobre a minha intemporal ausência. Disseram-se frases como: "é preciso ter fé". E houve fé. Rezaram muito.

E eu sempre ali: gasoso. Mergulhado nesta espécie de inibição com as horas e os minutos e os segundos a flutuar ao meu lado. Eu a tentar agarrá-los mas a perder o pé (ficar quietinho para não me afogar).

Depois o tempo seguiu o seu cortejo. Um quarto despido de refúgios e um despertador mostrando uma hora estranhamente real. Nunca uma hora foi tão verdadeira num relógio de cabeceira.

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