Wednesday, 13 February 2008

Rotina

texto de: O Coxo

É assim: parte-se de manhã e o sol até parece uma estrela viva em que fusões nucleares e assim. Mas não. Na brutalidade da luz matinal constroí-se o equívoco. E enquanto luto para tirar a maldita geada do vidro do carro tenho medo desses oito minutos.

Conduzo por instinto. Não vejo o carro que vem da esquerda e a luz mais forte ainda. Oito minutos volvidos. Hidrogénio em Hélio e fotões aos montes.

Vozes à minha volta e a luz forte que vem do tecto.

Tecto ?

Tenho sono (como todos os dias de manhã temos sono). Vozes à minha volta de cara tapada e bata branca. Estou deitado.

- passa-me o bisturi

Mais sol e oito minutos sem saber se haverá carros da esquerda. O sol com uma cor mais branca e por cima um tecto.

Um tecto ?

De certeza que estou atrasado. Da rotunda ao escritório cinco minutos e agora o carro da esquerda e eu aqui deitado a olhar o sol.

O sol ?

eu aqui deitado a olhar a luz pendurada do tecto. A olhar a luz pendurada do tecto e as enfermeiras

enfermeiras ?

as enfermeiras agitadissimas. Uma azáfama de hospital como se alguém

eu ?

como se alguém estivesse atrasado para o trabalho porque na rotunda a geada, o vidro, o carro da esquerda, o rádio que falava de baixas pressões, o homem de bicicleta que todos os dias me cruzo com ele, a farmácia ainda fechada, o buraco na estrada (o buraco que outro dia esqueci e o pneu furado), o ruído de travagem.

É assim: Parte-se de manhã já atrasado. A luz do sol dá-nos oito minutos de vida e a malha do destino fecha-se à nossa volta. Depois uma linha direita numa máquina que lê corações e no final mais luz. Dizem que um túnel.

Não sei se um túnel, mas parece-me que hoje não vou chegar a horas ao trabalho.

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