Monday, 24 November 2008

sobre os espelhos

texto de: O Coxo

Um poeta move-se na violência dos espelhos. Move-se maternalmente entre as imagens e delas colhe esse amor pródigo com que empilha as palavras.

Esse amor dissoluto com que empilha as palavras e depois as destroi.

O cenário é este: a verticalidade do verso na profusão da luz. Uma luz vaga e imprópria. Uma luminosidade incestuosa onde se establecem as intrincadas leis da metáfora. Um, dois fotões perdidos numa cave até aqui só penumbra e então um clarão repentino, o verso, o poema, o deslumbramento !

A poesia constroi-se no aturdimento dos sentidos: imagens que entram em nós invertidas mas em que aceitamos acreditar num pacto de conivente ingenuidade. O princípio básico consiste em introduzir erros na atribuição das probabilidades a uma ou outra partícula elementar da construção das frases e depois tender para a normalidade.

O poeta é tão sensível à sua própria brutalidade como ao sofrimento colectivo. Por isso a gestação da luz no ventre estropiado, enquanto lá fora chove (as estrofes louvavelmente afectadas pela meteorologia: ventos de fraca intensidade e ondulação de noroeste). E como arma maternal os espelhos.

Tudo isto é atroz. E todavia permanece credível dentro do poema enquanto for explorado até à náusea.

Mas há uma estética. Quer dizer, se calhar não é uma estética: a luz e a observação dos gradientes na superfície dos espelhos são uma estética ? refiro-me aos espelhos côncavos e convexos. E às imagens que entram em nós invertidas.

O que interessa é o amor.

Esse amor dissoluto com que empilha as palavras e depois as destroi.

E a luz na cave onde está submerso.

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