Sunday, 12 March 2017

além dia

Através das águas
sempre o mesmo riso petrificado
e acesas nos convés dos navios
candeias em fogo como faróis

(entre fogueiras ainda o dia)

São poucos os que atravessam trincheiras
descalços na esperança do musgo
mesmo se os dias sabem ser frescos muito cedo
mesmo se imunes ao pavor dos pássaros
e às guerras das raízes debaixo do húmus

Para quem corre descalço
tudo é manhã:
velocidade ao quadrado
ou massa-energia que rompe a carne.

E quando a seiva derramada acorda os mortos
das suas além casas
das suas além vidas
é já tarde.

(ah, a sofrega moralidade da física)

É esta a palavra única do dia,
a palavra marinheiro
das já muito faladas manhãs,
palavra perdida num poema
sonoramente vertical
caindo, caindo
sob o efeito previsível
da sua própria gravidade.

(O Coxo, Março 2017, em ocasião dos 150 anos do nascimento de Raul Brandão)

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