"Há decerto uma lei moral, mas há sempre por trás uma boca a pregar. Uivos, gritos, exasperos. É a transformação do grotesco em ferocidade, é a camada de hipocrisia que custa a romper. (...)
Foi grotesco, começou por ser grotesco. Mas escuta-te: é um mundo que lá tens dentro, é uma multidão que se prepara para o assalto. Estava adormecida, acordou. Mete medo. E pregam, açulam-se, avançam direitos aos seus apetites, ao saque, à guerra, à luxúria. Continham-na arames enferrujados, o medo da morte, o hábito de crer em Deus, cacos de armadura que derruíram de um dia para o outro. Descobrir que não há Deus que alegria! Põe a gente à vontade. Respira-se de outra maneira. (...)
Agora é que eu contemplo a vida - e me perco na vida. Começo a ter medo de mim mesmo e não me posso olhar sem terror. Que é isto, este sonho, esta dor, esta insignificância entre forças desabaladas? Onde hei-de por os pés? Eu sou a árvore e o céu, faço parte do espanto, vivo e morro ligado a isto. Sou temeroso e ridículo. (...) Sou ridículo e construí o mundo. Sonho e acabo reduzido a pó. Sou capaz de tudo e um nada me abate. Sou sórdido e fútil e não tenho limites - vou de mundo a mundo e de espírito a espírito. Dei almas às coisas inertes, significação ao universo, vida ao que não existe, luz às estrelas - e no fim acabo grotesco."
(in Húmus, Raúl Brandão)
Foi grotesco, começou por ser grotesco. Mas escuta-te: é um mundo que lá tens dentro, é uma multidão que se prepara para o assalto. Estava adormecida, acordou. Mete medo. E pregam, açulam-se, avançam direitos aos seus apetites, ao saque, à guerra, à luxúria. Continham-na arames enferrujados, o medo da morte, o hábito de crer em Deus, cacos de armadura que derruíram de um dia para o outro. Descobrir que não há Deus que alegria! Põe a gente à vontade. Respira-se de outra maneira. (...)
Agora é que eu contemplo a vida - e me perco na vida. Começo a ter medo de mim mesmo e não me posso olhar sem terror. Que é isto, este sonho, esta dor, esta insignificância entre forças desabaladas? Onde hei-de por os pés? Eu sou a árvore e o céu, faço parte do espanto, vivo e morro ligado a isto. Sou temeroso e ridículo. (...) Sou ridículo e construí o mundo. Sonho e acabo reduzido a pó. Sou capaz de tudo e um nada me abate. Sou sórdido e fútil e não tenho limites - vou de mundo a mundo e de espírito a espírito. Dei almas às coisas inertes, significação ao universo, vida ao que não existe, luz às estrelas - e no fim acabo grotesco."
(in Húmus, Raúl Brandão)
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