texto de: O Coxo
Chovia póstumamente. As gotas fustigavam as janelas com um amor exacerbado. Penetravam pacientemente nos interstícios da fé.
(porque a água procura o homem na inviolabilidade das casas)
Dentro das casas os homens rezavam. Todos os homens transbordam de fé nos dias chuvosos. Recusam o afecto dos elementos por detrás de janelas de vidro duplo.
E as gotas batiam, soletradas. Gotas ígneas, quimicamente compostas. Esse fluido devoto era o motor da fé restablecida. Uma fé alcalina.
Quando a chuva parou os homens choraram. Tinham-se habituado ao ruído da chuva lá fora e a esse medo pueril que alimenta o divino. Alguns suicidaram-se. Outros voltaram a acreditar na necrologia e nos posfácios. Escreveram autobiografias, prepararam sepulcros, compraram gerânios.
Houve ainda aqueles que ficaram simplesmente junto à janela, imóveis. A fé suspensa na espera.
É que Deus nunca existe em dias de sol.
Wednesday, 3 September 2008
porque amanhã vai chover
Posted by O Coxo at 23:09
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1 comment:
Já cá não vinha há muito tempo.
Muito bom o texto!
Saudades de Geneve! Do AMR também!
Abraço,
Luis
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