(texto de: O Coxo, original 2008)
Numa cidade tem que haver granito. Tem que haver esse rumor quase imperceptível da pedra ancestral. Tem que haver homens que caminhem descalços sobre matéria inerte. Tem que haver comunhão da carne com o elemento como na transmutação dos corpos.
(na alquimia se urdem as mais intricadas aspirações de um citadino).
E no entanto tudo é tão simples de explicar como o restolhar das águas numa manhã fria de Outono à beira rio.
Numa cidade tem que haver pontes. Tem que haver uma árvore que contenha uma inscrição enigmática sobre o amor. Tem que haver jornais abertos sobre um banco de jardim.
E no entanto no café matinal só se lêem as letras gordas.
Uma cidade tem corpos diáfanos que desfilam na rua em trajectórias quase paralelas, que roçam as paredes numa sensualidade geológica. Corpos rudemente lapidados.
E no entanto uma cidade de pedra é feita de amores sedimentares.