Saturday 27 February 2010

FIFDH



Not to be missed. You can find the program here.

Thursday 25 February 2010

marés

(texto de O Coxo)

Dizia-me um amigo sobre as viagens:
"vou em busca da diferença"
já não lhe chegava o pensamento oblíquo
porque havia como que uma necessidade anfíbia em atravessar águas
galgar marés, no sentido ascendente do termo
com livros às costas e um alfarrabista no alforge
para dar de comer aos lobos
e aos cruzados.
Falava na desfragmentação das linhas de fuga
era um discurso acrónimo de quatro letras:
F.U.G.A.
e a mim tudo aquilo me consumia imenso
no meio dos braços criogénicos
gritava-se incêndio
por entre o dilúvio
gritava-se enxurrada e as marés trepavam à lua
enquanto o luar batia com violência no horizonte
fustigando linhas de fuga intangíveis

sabes onde vai?
não interessa:
leva o antídoto na algibeira
e um caderninho de álgebra com contas fáceis
Oh da casa!
assassino das cavernas de jade
guardador dos fogos-fátuos, infernos,
de olhos negros ostracizados,
deixai-nos entrar nessa morada de corpos filiais
onde as areias vêm morrer à margem
ao ritmo esquizofrénico das marés

Monday 22 February 2010

No One Knows About Persian Cats


Special Jury Prize in the "Un Certain Regard" section at the 2009 Cannes Film Festival, this is a film I strongly recommend.

From Iranian director Bahman Ghobad, the film portrays Tehran as a city with a vibrant underground indie rock scene (in a mixed fiction/ documentary format), and features a number of bands, playing from metal to rap, on a musical guided tour lead by the duo Negar and Ashkan from the band "Take It Easy Hospital".

The band asked for asylum in the UK last August and is living in London ever since.

In Geneva, the film is presently showing in the Scala cinemas. I Leave you with a teaser.

Sunday 21 February 2010

dois excertos

Por vezes tudo se ilumina.
Por vezes sangra e canta.
Eu digo que ninguém se perdoa no tempo.
Que a loucura tem espinhos como uma garganta.

*

Tenho uma pequena coisa africana para dizer aos senhores
"um velho negro num mercado indígena
a entrançar tabaco" o odor húmido e palpitante sobe dos dedos
(...)
"como ele aflora Deus digitalmente debruçado"


(Herberto Helder em "ou o poema contínuo")

Friday 19 February 2010

postmortem

When they kick out your front door
How you gonna come?
With your hands on your head
Or on the trigger of your gun ?

(the Clash, guns of Brixton)

Wednesday 17 February 2010

l'art du camouflage

Known as the 'invisible man', Liu Bolin camouflages himself against different city landscapes. Each of his photographic artworks takes up to 10 hours to complete, with an assistant helping to paint him into the background. Can you spot him in these pictures? let's start by the easy ones...





and now for some eye exercise...

Tuesday 16 February 2010

A hora dos imberbes

texto de: O Coxo (re-editado, original de 08/08)

Inácio não tinha relógio, por isso deixou crescer a barba. Havia entre os seus colegas de trabalho quem duvidasse que uma barba pudesse substituir um relógio. Os funcionários são criaturas avessas às pilosidades preferindo uma boa dose de cepticismo e um relógio de quartzo. Mas Inácio não se intimidou. E a dita cuja foi crescendo desavergonhadamente ao ritmo de um centímetro e meio por dia útil.

Era uma barba monstruosa. Possuia uma dinâmica vida interior que se desenvolvia no sentido dos infinitos espaços inter ministeriais. Movia-se com destreza nesse jogo de minúcias temporais, animada de secretas intenções.

Perante o assombro geral, a barba ganhava terreno na repartição. Já tinha chegado ao armário das circulares administrativas e dos procedimentos anexos e ameaçava agora sem qualquer pudor a mesa dos formulários urgentes e dos requerimentos por intermédio de terceiros.

Esta prodigalidade começava a preocupar o Sr. Bonifácio que se ocupava das licenças e alvarás e que tinha visto desaparecer, sob a barba de Inácio, dois dossiers carregadinhos de processos em apreciação.

Várias barbearias, dois cabeleireiros unisexo e uma loja de tesouras ficariam assim irremediavelmente arruinados.

Coincidência ? não para o Sr. Bonifácio, que mantinha a barba debaixo de olho durante o horário legal de trabalho. Sem embargo, fazia cinco minutos de pausa para café de manhã e dez minutos à tarde, onde aproveitava para ler o jornal do ministério, inteirando-se assim dos pormenores mais escabrosos que animavam a vida da direcção geral de assuntos internos.

Um dia os acontecimentos tomaram um rumo inesperado. Bonifácio reparou que a barba crescia assincronamente em horas de ponta. A situação era inaceitável. Os funcionários inquietavam-se e corriam em todas as direcções. Adiantavam relógios na esperança de conter essa força desmedida.

Tinham convicções. Sabiam os horários de cor, com as suas tabelas e anexos. Confiavam na usura. Alicerçavam a sua vida no hábito lentamente acumulado. E agora a barba.

Inácio não se comovia. Vivia no alheamento das sombras.

Na sua loucura preenchia impressos.

As hierarquias rapidamente decretaram a nova situação como perfeitamente enquadrada pelas regras em vigor, o que tranquilizou chefes e sub chefes que se apressaram a espalhar a notícia. Então começou a crescer na repartição um clima de pubescência generalizada. Abandonava-se o relógio em troca de um bigodinho. Rasgavam-se calendários deixando crescer a pêra. Até as senhoras deixaram de depilar as axilas.

Um dia Inácio não veio trabalhar. E toda essa gente se viu entregue à sua orfandade. Olharam para os seus bigodes rídiculos e pêras e axilas e odiaram-se muito. Era um ódio fecundo. E esse fel aprimorava instintos que conduzem inevitavelmente à morte.

O tempo era escasso, a morte urgia e Bonifácio passava alvarás.

Os últimos segundos sairam dos relógios com gravidade. E depois o silêncio.

No dia a seguir a repartição não abriu. Culpou-se o governo e as instituições. Fizeram-se petições, greves de fome, manifestações.

Entretanto numa repartição vizinha Jesualdo comprou um chapéu de feltro por razões desconhecidas, provocando o espanto geral.

Monday 15 February 2010

A wish for a dishwashing machine

I remember almost losing conciousness as I was reaching 5800m just after Gilman's point. As I advanced, sleepwalking, all I wished for was a clear view of the summit.

I remember crossing the M'Goun gorges, my legs immersed in the cold water of the M'Goun river. After a long day walking, all I wished for was my sleeping bag and a starry sky.

I remember sleeping under a tree, in the middle of the Sahara desert (yes, a tree!). I could see the heat waves distorting the landscape as I lifted my head from my mattress. All I wished for was a soft breeze.

I remember sitting above Kumbu glacier, at about 5200m. My head aching with the altitude, my hands freezing with the glacial wind. All I wished for was to stay there a bit longer.

Now I am standing here, in front of this pile of dirty dishes, and all I can wish for is a bloody dishwashing machine...

Tuesday 9 February 2010

The white ribbon



This is Michael Haneke's best film, I read.

I cannot say much about that since it's my first Haneke film, but I can tell you that "The White Ribbon" is one of those films that will stay in your mind for a long while. And it will make you think about it.

A powerful, violent picture of the hypocrisy that often lies behind puritanism and the perverse effects of an education which represses all instincts and desires. But also a story of relentless men. Of fathers, husbands and lovers enforcing the rules that best serve their purposes. And of how violence and abuse is perpetuated.

The story is told in pre 1st war Germany, so many have connected the children in the film to the holocaust generation. But I think this is actually a very narrowing interpretation. Maybe that helps to reinforce the idea and maybe it was even what the director had in mind but if you think, this story could have been told anywhere. And at any time.

http://www.sonyclassics.com/thewhiteribbon/

Thursday 4 February 2010

manhã

Aconteceu ontem. Olhos abertos na antecipação da manhã que não veio. Dias que desabavam na mesinha de cabeceira. Ouviam-se coisas terríveis: fome, miséria, infâncias abalrroadas, o costume sei lá.

No entanto quando acordei já lá não estavam. Só restava esta luz crepuscular, nada matinal. Absurda absurda absurda !
E no entanto dediquei a todas essas coisas uma atenção aguda, um amor primitivo que resultou em pouco mais que nada. Perdi muito tempo a analisar a minha própria infância e tornei-me insuportável.

Wednesday 3 February 2010

serão

Três quatro janelas e uma porta. Não peço mais. Um lugar onde possa elaborar teorias sobre a preguiça. Um quarto de paredes desmesuradas onde me possa passear de pés descalços (tão brancos, tão brancos). Uma janela feita de bandos de pássaros detidos em pleno vôo. Um silêncio feito do restolhar de folhas (a armadilha do conforto).