Tuesday 15 April 2008

Amanhã e depois

texto de: O Coxo

Afligi-me ter que escrever. Passei pela vida como um fugitivo e agora afligi-me resumir tudo isso num desfilar de frases com sentido. Não quero que faça sentido. Porque é que há-de fazer sentido.

Entretanto gostava de ter uma cadeira de baloiço. O crepitar da madeira a ritmar a oscilação sustentada enquanto me decido a escrever. Um vizinho louco no andar de baixo
- a maldita cadeira do velho !

e a minha mão a desfilar pelo papel em tremeliques de
- maldito velho, maldita cadeira ! pare lá com isso homem !

a minha mão tão enrugada, as veias salientes dum verde carregado.

As veias salientes já mais fora da pele do que dentro, como se o sangue já não estivesse confortável neste corpo cansado.

Para quê escrever se amanhã a morte e depois nem o verde das veias, nem o vizinho a gritar nem o crepitar da cadeira com o qual às vezes adormeço na sala de estar, de caneta na mão e um papel em branco em cima da mesa.

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