Monday 29 October 2007

Requiem para o Antunes

Tenho impressão que perdemos algo. Da última vez que estive no Porto, não me cruzei com o guarda Sousa

agente Sousa se faz favor

não me cruzei com o agente Sousa nem com o Martins. Em vez dos bigodes farfalhudos e da barriga generosa, uns jovens imberbes de punho nervoso e peito inchado. Em vez do Antunes que aos fins de semana fazia de segurança na fábrica, um moço novo de sorriso intransigente.

Onde é que param o agente Gonçalves que se passeava no bairro de tasca em tasca, o Cunha que morava no terceiro esquerdo, o Freitas que safava as multas de estacionamento ?

Tenho saudades da indulgência dum "desta vez passa, veja se vai mais devagarinho e não beba mais de dois copos". Sinto falta da sonoridade de um "ó amigo vou ter que o autuar porque infringiu...". Já ninguém me diz "olhe que agora temos ordens para não perdoar nada, tá com sorte de eu estar bem disposto".

Ainda me lembro do Antunes a correr atrás de nós de pistola em punho. Nós por trás das latas do lixo: "ó Antunes tás comó aço: foi cerveja ou foi bagaço ?". Um reboliço de galinhas em fuga, penas por todo o lado e o Antunes saído do meio das penas num passo trôpego. A pistola (carregada ?) apontada ao Zé Tó. Procurar refúgio nas ilhas e voltar à carga quando o Antunes desistia ofegante.

Ainda vejo o Antunes por lá. Reformado. Estende-me a mão (carregada?) e falamos do bairro.

Havia também o manco do café da rua de baixo. Fazia trabalho de secretaria na policia durante metade do dia e a outra metade passava-a à porta do café a vigiar o bairro. Olhava-nos com uma raiva de cão castrado. Conjurava para nos apanhar em delito.

Hoje senta-se no balcão a ver a rua deserta. Ninguém para tocar às campainhas (velhinhas acudindo à porta em sobressalto: "quem é ?"). Ninguém para sabotar a luz na rua (eu nas costas do Manel de lanterna apontada ao sensor fotovoltaico e de repente escuro). Ninguém para levar o Quim ao poste (debater-se em vão porque mais novo, o Quim sabia karaté dos filmes mas não lhe valia de muito).

E o manco a assistir a tudo isto impotente.

Agora tem saudades. Estou certo que tem saudades porque quando passo já não o olhar de cão castrado. Já não o "um dia apanho-vos". Em vez disso um olhar de "olha quem ele é !" e uma vontade amordaçada de vir perguntar

"como vai a vida ?"

Tuesday 16 October 2007

Faz-se luz pelo processo

Mário Cesariny em "Pena Capital"

Faz-se luz pelo processo
de eliminação de sombras
Ora as sombras existem
as sombras têm exaustiva vida própria
não dum e doutro lado da luz mas no próprio seio dela
intensamente amantes loucamente amadas
e espalham pelo chão braços de luz cinzenta
que se introduzem pelo bico nos olhos do homem

Por outro lado a sombra dita a luz
não ilumina realmente os objectos
os objectos vivem às escuras
numa perpétua aurora surrealista
com a qual não podemos contactar
senão como os amantes
de olhos fechados
e lâmpadas nos dedos e na boca

Tuesday 9 October 2007

Back to Zermatt
















Capela algures no percurso de descida do refúgio de Gandegghut para Zermatt.

Sunday 7 October 2007

Thursday 4 October 2007

A foto do castelo ausente


















Tirada um destes dias em Edimburgo, a foto é o somatório dos seguintes elementos:

1. O Castelo ausente.

O castelo, se bem que ausente da foto, é o elemento primordial, mitológico. Precipita-se no promontório numa verticalidade de pedra. Em baixo os homens veneram-no.

A ausência alimenta o mito.

2. A cidade.

A cidade desceu do castelo. Cravou raizes na aresta. Depois floresceu numa prodigalidade de ruelas caindo morro abaixo.

Outra analogia: primeiro o dorso nú, a espinha, o nervo. Depois as costelas, frágeis, inevitáveis.

3. Os homens.

Os homens jazem nos jardins. Dormem trespassados pelo vento que corre das ameias. O odor da carne extinguida alimenta a migração dos mitos do interior do castelo para o interior dos homens.

Ou então mais simples: estendem-se na relva como répteis e deixam o sol aquecer-lhes o sangue. Quando não há sol fazem luminoterapia, suicidam-se.

Os homens às vezes têm o sangue frio.

Wednesday 3 October 2007

Control












Um filme que esperava há algum tempo. Aqui está finalmente, e parece merecer a expectativa...

http://momentum.control.substance001.com/

Anton Corbijn's Control is about the troubled life and times of post-punk legend Ian Curtis, the lead singer of Joy Division, who killed himself in 1980 at the age of 23, depressed by his epilepsy, his failing marriage and by the uncontrollable intensity of the nihilistic emotions displaced by his life into his art - emotions that consumed him. Critics have described this portrayal of troubled singer Ian Curtis as "spectacular" and "outstanding".

International premiere: Cannes Film Festival May 17th 2007
UK Release: October 5th