Sunday 2 September 2007

Amor e estátuas na Catalunha

O Coxo, setembro 2007

Percorre-se as ruas estreitas de Raval. Há gente descalça sentada no chão. Vigiam-nos mulheres de formas excessivas que oferecem o corpo num sorriso incompleto: seis dentes, espaço vazio, cinco dentes. Raval são prostitutas e paquistaneses.

Dobra-se a esquina e é outra cidade. Carreirinho de turistas descendo a Rambla num fervor de formigas. Homens estátua admiravelmente humanos. Tiravam-se os turistas e ficavam os homens estátua na expectativa dos pombos.

(O homem estátua ama os pombos de forma superlativa, os pombos defecam nos homens como nas estátuas. A legitimitade do homem estátua oscila assim nesta ambivalência)

Navega-se nesta torrente humana até desaguar num lugar qualquer. Tudo é muito verdadeiro: as sombras que crescem até se tocarem, a noite que cai desenhando graffitis nas vitrines, a luz que nasce nas supostas candeias.

Depois pára-se. Ri-se muito de tudo isto e observa-se as gentes que passam frente ao Mercat del Born. Dizemo-nos não sou de cá, assobiamos e ninguém acode às varandas
"já desço !"
nenhuns passos em nenhumas escadas numa agitação de ilhas
"quem é ?"
atirar gravilha às janelas e nenhum grito
"já ouvi !"
E no fim silêncio e cheiro a urina, o caminho recalcado e esta espécie de nostalgia que não sabe a nada.

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